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Um décimo a cada Erro

  • Foto do escritor: PET Letras UFGD
    PET Letras UFGD
  • 8 de dez. de 2017
  • 3 min de leitura

GABRIELE

Há alguns dias atrás, antes de decidir como e o que apresentaria àquela turma, entrei em contato com Olivia, professora regente. Olivia pediu quase que no desespero para que eu “ensinasse os alunos a argumentarem”, logo, não tive outra alternativa senão trabalhar algum gênero discursivo que contemplasse esta súplica.

Era uma turma de primeiro ano do ensino médio. Resolvi assistir uma aula no intuito de conhecer e perceber o ritmo da turma, bem como o relacionamento professor-aluno. Percebi que eles a respeitavam. Ela buscava manter um relacionamento íntimo com aqueles jovens. Diferente da maioria das professoras que eu já conheci. Os alunos tinham costume de fazer piadas, ela ria. E, ao final de cada aula, todos abraçavam e se despediam de Olivia.

Fiquei encantada. Vi naquela mulher de meia-idade, cheia de energia, o reflexo de professora que eu queria me tornar um dia. Até que chegou a hora do aviso. Próximo ao fim da aula, Olivia se levantou. Os alunos calaram e a olharam: “Não esqueçam da prova da semana que vem. Terá interpretação e produção de texto. Cuidado com a escrita. Vocês sabem, como de costume, um décimo será tirado a cada ‘Erro’ de gramática”.

Sorri. Dentro de mim, desanimo. Um décimo? Como se a linguagem se resumisse a erros e acertos. Tudo o que havia aprendido na academia, no chão. Me recompus, afinal, Olivia era regente, concursada, com anos de experiência. Eu ainda estava aprendendo. Logo estaria à frente de um sala também. Não poderia julgar. Planejei minha aula como se fosse um presente a eles.

Enfim chegou o dia da minha atuação. Após escrever no quadro de giz em letras grandes o gênero a ser trabalhado naquela tarde, me virei. Pude encarar a todos. O caos tomava conta da sala. No fundo, era possível ver os alunos mais comunicativos. Comunicação tão excessiva, que chegava a doer os ouvidos. Logo ao lado, meia dúzia encostados na carteira, alguns até já tinham pego no sono. Outros estavam em um mundo paralelo, com seus fones de ouvido no último volume, que tocavam uma batida qualquer. Do outro lado, logo a frente, havia alguns alunos interessados em anotar o que eu tive o trabalho de sujar as mãos para escrever.

Era uma primeira experiência. Não sabia muito bem como me comportar. Tive que resgatar na memória posturas de professores que eu admirava. Pensei em Olivia. Soltei um “boa tarde” bem alto para chamar a atenção deles. Precisou de dois ou mais para que alcançasse toda a sala. Abriram os cadernos e viraram os olhos. Não poderia culpá-los. Era uma sexta-feira, última aula após passar o dia inteiro na escola e ainda ouvir uma aula sobre artigo de opinião? Justo este gênero tão carente de fabulação? Queria ter oferecido algo mais atrativo.

Dentre várias explicações, questionamentos e discussões, faziam-se necessárias pausas com dada frequência, na tentativa de resgatar o interesse dos que divagavam entre assuntos paralelos, mensagens de celular e até mesmo lixar a unha apresentava-se como algo de maior interesse a eles naquele momento.

Enfim, chegou a hora da escrita. Mais uma vez olhos virados e suspiros de chateação. Era como se, para eles, eu estivesse impondo-lhes um castigo e não o presente que havia planejado. Neste momento, tudo, absolutamente tudo o que eu havia dito anteriormente fora parar na lixeira. A lixeira qual a memória leva tudo o que considera inútil dentro daquelas mentes férteis.

Fim da aula. Entrega das folhas. Uma pilha de almaço que mal cabia na pasta. Em casa, hora da correção. Naquela hora, eu chorei. Chorei ao ver o caos. O mesmo caos que havia em sala de aula mais cedo.  Os alunos que tinham um bom conteúdo na escrita apresentavam problemas de gramática, aqueles que Olivia abominava. Já os que se aproximavam da norma padrão, faltava-lhes conteúdo, o que mais preocupava a mim. Outros, que tinham muitas ideias, as tinham em excesso. Ideias estas, muito boas, de fato. Mas ao serem colocadas no papel, se confundiam.

O meu choro, por fim, não era por conta dos textos. Muito menos por conta das questões gramaticais. A maioria havia feito o mais importante: refletir acerca do conteúdo. Chorei porque sou do tipo de pessoa que reflete e questiona. O que fizeram a esses jovens para que eles se sentissem tão desmotivados quando o assunto é linguagem? Logo a linguagem, que é algo tão próprio deles. Refleti. E ali fiquei, diante dos papéis, pensando. Pensando, principalmente, em como não quero ser Olivia. Em como não quero ser a professora que tira um décimo a cada Erro.

Esse texto foi produzido a partir das experiências na Escola Rita Estadual Angelina.

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