O Cubo Mágico do Senhor Zé
- PET Letras UFGD
- 8 de out. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 30 de set. de 2024
(Texto escrito a partir de vivências no Lar amigo do idoso de Dourados – MS; projeto de extensão desenvolvido pelo PET-Letras UFGD)
Isabela Bianca Alves Santos
Em minha cidade existe um lugarzinho chamado “Lar do Idoso”, que hospeda vários idosos de todos os cantos do Brasil. Fui visitar esse lugar aconchegante. Era amplo e com um belo pátio com árvores altas que doavam sua deliciosa sombra. Havia vários idosos reunidos no centro da varanda, onde havia uma mesa grande de madeira no centro e várias cadeiras de fio ao redor. No canto esquerdo do terreno, ficavam os quartos, a secretaria e também a cozinha. Mas o que mais me chamou a atenção nesse lugar foi um senhor que não sentava próximo dos outros. Ele era o único a se sentar no canto direito do pátio, longe de todos.
Quando o avistei, ele estava com um caderno na mão, sentado em uma cadeira de fio verde. Ao seu lado havia uma bolsa, uma garrafa de café e um rádio FM antigo. Comecei a caminhar em sua direção, bem devagar, olhando para os cantos, disfarçando. Imaginei que por ele estar isolado, poderia querer ficar sozinho. Idealizei-o de diversas formas… chato e ranzinza, legal, conversador. Me aproximei dele e disse.
– Oi, tudo bem com o senhor? – Oi moça, to bem e ocê? – Estou bem, o que o senhor está fazendo aí? – Ah, óia só, veja bem, eu fiz uma conta com seis números na chave e agora eu to tirando a prova. Óia aqui bem. Eu comecei com um número na chave e fui aumentando, fui aprendendo sozinho. Não há nada na vida que não possa aprendê.
Rapidamente, me encantei. Sentei ao seu lado como uma criança senta para receber um presente, animada e superinteressada, ouvi aquele senhor falar sobre o que ele mais gosta: Contas de matemática. Eu, como aluna de Letras, não tenho interesse em contas, mas ele falava com tanta paixão que me encantei. Pelo senhor e não pelas contas, é claro.
Passamos a tarde conversando e ele me mostrou um cubo mágico, e me contou como aprendeu a resolver um lado do cubo. Ele dizia – Mai óia, eu vou aprender a fazer todos os lados, mai nem que eu pague pra me ensinarem, mai eu vô aprende, sabe porque minha fia? Porque não tem nada nessa vida que cê não possa aprendê. – É verdade, senhor Zé!
O fim da tarde chegou e fui embora, prometi ao senhor que voltaria. Fiquei impressionada com a maneira que aquele senhor usa o tempo dele para aprender coisas novas. Todos os outros só gastavam o tempo, ele investia. Pensei em levar um caderno novo para ele, já que o dele estava completo por contas. Sim, um caderno de 10 matérias todo preenchido com números. Me dá até tonturas!
Chegou o dia de fazer a segunda visita ao Lar. Um silêncio pacato e tedioso preenchia o lugar. Caminhei devagar entre os idosos, respirando fundo e olhando todos eles nos olhos. Caminhei direto para o canto que o Senhorzinho estaria. Ele estava lá, do mesmo jeito de quando eu o vi da primeira vez, com a garrafa e de café do lado e seu rádio FM, e com o cubo mágico na mão (aquele bendito cubo mágico). Fiquei feliz de encontrá-lo lá. Parecia estar me esperando para continuar a conversa que não terminamos.
Entreguei o caderno novo a ele, o qual me agradeceu várias vezes. Ele ficou realmente feliz. Continuamos conversando e ele me ensinou a resolver um lado do cubo mágico. Eu consegui resolver umas três vezes. Ele ficou alegre em me ensinar e ver que eu realmente aprendi. Confirmando sua teoria de que não tem nada na vida que não possa aprender. Uma lição muito valiosa para mim, que ainda sou jovem e tenho tanto tempo, ou não.
Eu não sei nada sobre a história de vida deste Senhor, mas sei que mesmo com a idade avançada, ele não perdeu a sede por conhecimento, não se entregou a rotina debilitada. Ele acredita que não seja tarde demais, independentemente do lugar que se vive. Sempre visitarei esse Senhor, que animou meu coração.
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