NARRATIVA PRODUZIDA A PARTIR DE ENCONTROS NO LAR AMIGO DO IDOSO
- PET Letras UFGD
- 6 de set. de 2017
- 3 min de leitura
Coração na mente
Bruna Darold Dresch
Entrevistei uma senhora chamada Elvia. Ao longo da conversa ela me contou sobre sua mocidade e como se sente agora. Ouvi-a com atenção, fazendo apenas alguns breves comentários para que ela se animasse a me dizer mais.
Para que eu pudesse escrever a crônica, primeiramente, transcrevi a entrevista e então criei uma história baseada nos pontos que me chamaram atenção, principalmente o fato de que ela não se casou.
Às margens do Rio Taquara, eu recordava minha mocidade. Um pedaço da saudade de quem já viveu 74 anos por essas terras de Lagoa Torta. Eu, Elvia ou Elvinha, quando mocinha, dona Elvia depois de senhora, moro agora em um Lar de Idosos, por mim, voltaria aqui, não por não ser bem tratada, e sim por querer cultivar a minha raiz, onde antes ainda se chamava Ponta Bonita.
Nos meus 15 anos, a produção de Erva Mate que meu pai possuía garantia o ganha pão. Na fazenda, morávamos eu, meus pais, meus três irmãos e duas irmãs. Os rapazes ajudavam meu pai na lida, enquanto as moças ajudavam a mãe na cozinha e na costura.
A noite por lá era boa. Algumas vezes tinha baile na vila. Ao som da polca e do chamamé, eu adorava rodar pelo salão, na esperança de que, em uma dessas danças, encontrasse o par perfeito. Acontece que nem tudo podia ser assim tão bom… O meu pai, conservador, como mandava a época, não gostava que eu passasse muito tempo ao lado de um rapaz. Uma dança daqui, uma conversa curta dali, e não ia muito além disso.
Eu tinha medo de ficar solteirona já que, com um pai tão ciumento, eu não tinha muitas oportunidades de escolha. Outras vezes, sentia receio em me casar, pois não tive bons exemplos. Meu pai, bonito do jeito que era, deixava minha mãe desconfiada, e eles brigavam por bobagens, por ciúmes. Eu pensava: quero me casar com alguém em quem possa confiar.
Aos 16 anos, conheci um moço. Ele até falou em casamento, mas eu não me achava preparada. Não o conhecia o suficiente para passar o resto de minha vida ao seu lado. E uma coisa que eu sabia me deixava assustada: ele andava com uma faca na cintura.
Na minha época, era normal casar ainda nova. Minha irmã, por exemplo, saiu de casa aos 17 anos e se juntou com um rapaz, porém, não foi feliz por muito tempo e, depois que alcançou independência financeira, se separou dele. Eu até a alertei, acontece que ela estava cega de paixão e não me deu ouvidos. O cara era gente boa, só faltava um amor maior para que essa relação fosse sustentada por grande tempo.
Eu não me casei. Terminei o meu namoro. Não foi uma decisão fácil, tinha medo de que ele tentasse fazer alguma coisa contra mim. Por várias vezes ele queria conversar e tentar retomar nosso relacionamento, até que meu pai pediu lhe que me deixasse em paz, e, finalmente, o moço foi seguir o seu rumo. A algum tempo meu irmão me contou que o encontrou passeando com a família, todos pareciam contentes. Fiquei feliz em saber que ele está bem atualmente..
Infelizmente, não tive a honra de construir a minha família. Posso dizer que me realizei no próximo ao tecer um belo vestido de noiva à minha cunhada. Digo ainda que sozinha não estou, pois tenho meus familiares por perto.
Lembro-me, também, com apreço, da grande casa que meu irmão tinha em uma chácara, até morei junto com ele por um tempo. Gostaria de voltar lá pelo menos para passear, mas lá ele já não mais está, morreu, e só restou comigo a memória. Afinal, nosso berço, nossa origem, a gente nunca apaga.
Estou morando no Lar de Idosos porque não tenho alguém que possa me acompanhar 24 horas. Meus familiares trabalham, apesar dos empecilhos sempre que podem vem me visitar, minha cunhada me traz alguns presentinhos, cremes, blusas…todos são atenciosos comigo e eu sou muito grata por tudo isso.
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